sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Colaboração: Procon Sertãozinho

Processo Nº 583.00.2004.080985-3

Texto integral da Sentença


Trata-se de ação civil pública. Aduziu o autor, em suma, que o réu, no exercício de sua atividade, nos contratos de empréstimo pessoal, vem exigindo, para liqüidação antecipada (Lei nº 8.078/90, art. 52, § 2º), tarifa de cinco por cento sobre o saldo devedor, limitada a R$50,00. Alegou que a prática é abusiva à luz dos preceitos do Código do Consumidor. Postulou seja condenado a se abster de cobrar qualquer valor para quitação dos mútuos (não fazer) e inserir nos instrumentos (fazer) cláusula sobre a possibilidade de liqüidação antecipada, total ou parcial, bem ainda indenização a ser delimitada posteriormente. Deferida liminar (fl. 117), mantida em grau recursal (fls. 268-275). Em resposta (fls. 175-198) se argüiu previamente carência de ação, por ilegitimidade ativa e ausência de interesse. No mérito, em essência ressaltou-se que as Resoluções 2303/97 e 2747/00 do Banco Central do Brasil não contêm qualquer proibição para a referida tarifa, a qual está afixada em local visível nas agências e serve para cobrir despesas operacionais. Houve réplica (fls. 233-265). Esse o relatório. Fundamento e decido. Conheço diretamente da lide, nos termos do art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil, pois a documentação reunida nos autos é suficiente para conhecer das questões de fato e não se justificou a necessidade de instrução (fl. 277). De proêmio ficam repelidas as preliminares. A atuação do Ministério Público no controle de cláusulas contratuais gerais e uniformes em relação de consumo está legitimada no art. 81, parágrafo único, incisos I e III, da Lei 8.078/90. Hugo Nigro Mazzilli observa com acuidade que o interesse individual homogêneo é coletivo lato sensu, daí estar abrangido no texto constitucional (Constituição da República, art. 129. inc. III): "Já a defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores – assim entendidos os de origem comum, caracterizados pela extensão divisível ou individualmente variável do dano ou da responsabilidade daí decorrente – não é meramente individual, como poderia parecer apenas à vista do seu nome, mas é coletiva, em sentido lato, e poder caber ao Ministério Público" (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Editora Saraiva, 1995, pág. 119). E mais adiante explica que não é todo interesse individual homogêneo que justifica a substituição processual: "Às vezes, a defesa de interesses de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à coletividade como um todo. Isso geralmente ocorre em diversas hipóteses, como quando a questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas; quando haja extraordinária dispersão de interesses lesados, a tornar necessária ou, pelo menos, conveniente sua substituição processual pelo órgão do Ministério Público; quando interesse a coletividade o zelo pelo funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico" (ibidem, pág. 121). Portanto, em princípio os interesses individuais homogêneos podem ser defendidos pelo Ministério Público, conforme as circunstâncias do caso, pois são, na lição de José Marcelo Menezes Vigliar, acidentalmente coletivos (Ação Civil Pública, Editora Atlas, 1999, pág. 56). Demais disso, aqui a demanda tem conteúdo mais amplo, dirigido ao futuro (obrigação negativa – não mais exigir determinada tarifa), para tutela de um número indeterminável de consumidores, sem liame jurídico entre si, de maneira indivisível. Ou seja, a pretensão também é difusa e guarda consonância com a destinação constitucional do órgão. Evidente o interesse social, também pela natureza da norma em questão (Lei nº 8.078/90, art. 1º). O cabimento da substituição processual já foi reconhecido várias vezes pelo Supremo Tribunal Federal em situação semelhante, de abuso contratual: "O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares" (Súmula 643). Assim também o Superior Tribunal de Justiça em caso similar, de mútuo bancário: "Processual civil e SFH. Recurso especial. Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Ministério Público. Legitimidade. - Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância. - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos referentes aos contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, porquanto é interesse que alcança toda a coletividade a ostentar por si só relevância social. - O Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação. - Recurso especial conhecido e provido." (REsp 635.807-CE, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 5.5.05). No mesmo sentido o seguinte julgado: "MINISTÉRIO PÚBLICO – Legitimidade ativa ad causam – Ação civil pública – Defesa de interesses individuais homogêneos – Ampliação da legitimação do Parquet após a Constituição Federal de 1988 – Veiculação de pretensão de natureza genérica que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais" (RT 822/190). O interesse de agir está evidenciado, reconhecida a preexistência de conflito concreto, mormente pelo teor da causa petendi. Não é requisito de admissibilidade que se arregimente um número mínimo de consumidores insatisfeitos e indignados com a imposição da tarifa. Ao revés, é razoável presumir, pela peculiaridade da prática irrogada ao banco-réu, o contexto atual das relações negociais e o crescimento das reclamações do público consumidor, uma litigiosidade inerente, que viabiliza o conhecimento da pretensão de compelir a um padrão de conduta futura. Adentra-se, então, o mérito. Assiste inteira razão ao autor. De plano, impende considerar que aos contratos bancários é aplicável o Código do Consumidor (Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça). É cediço que a teleologia da Lei 8.078/90 foi conferir proteção à parte vulnerável da relação de consumo, para adequar o sistema jurídico ao fenômeno da sociedade de massas, em que não poderiam mais subsistir plenamente os princípios contratuais da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos, fundados no liberalismo econômico clássico. Aliás, o réu não se insurgiu contra essa premissa. É ponto incontroverso (Código de Processo Civil, art. 334, inc. III) que ele vem exigindo tarifa para o exercício da quitação do mútuo antes do termo convencionado. Tal direito está positivado no art. 52, § 2º, da Lei nº 8.078/90, assim redigido: "É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos". A clareza da norma e sobretudo sua ratio essendi – menor onerosidade ao mutuário, sua informação e educação (art. 4º) – são incompatíveis com qualquer cobrança. Afinal, trata-se de um direito subjetivo. O bom senso e a prudência de qualquer homem de bem de médio entendimento, até mesmo leigo, conduzem a essa conclusão. Mas lamentavelmente não é assim que age o réu. Sob o frágil argumento de liberdade, especialmente porque a enumeração administrativa (Resoluções 2303/97 e 2747/00) seria numerus clausus, quer convencer da validade da tarifa. Ora, para além dessas normas invocadas pelas partes, existem as Resoluções 2878 e 2892, ambas de 2001, editadas também pelo Banco Central do Brasil. Conforme art. 7º, é dever das instituições financeiras assegurar a liqüidação antecipada do empréstimo. E pelo art. 1º, inc. I, devem também manter transparência nas relações contratuais, mediante prévio e integral conhecimento das cláusulas, tornando inquestionável o preceito específico do Código do Consumidor (art. 46). Assim, a famigerada tarifa é ilícita, não apenas porque não integra o instrumento para adesão do cliente (art. 46) mas também porque incompatível com o direito à redução proporcional dos encargos (art. 52, § 2º). Esse o raciocínio mais consentâneo com a ordem vigente. A prática se revela abusiva por contravir ao espírito da Lei nº 8.078/90 e ao princípio da boa-fé. Também não se coaduna com a proteção devida ao consumidor, nem com a seriedade que se espera de fornecedores como o réu. Aqui não há falar em harmonização de interesses (art. 4º, inc. III), simplesmente porque não se pôs a tarifa (e seria absurdo fazê-lo) como necessária ao desenvolvimento econômico ou tecnológico. Em contrapartida, não se lobriga qualquer prejuízo plausível à atividade de crédito, nem mesmo com a alegação sobre a destinação da tarifa. O custo operacional se presume inserido no spread obtido pela instituição nas suas variadas operações. E esse ganho notoriamente já é por demais elevado, tanto que evocado com freqüência no âmbito político-econômico, pois os juros brasileiros são dos maiores no mundo. No mais, a patente abusividade da tarifa por si só legitima a inserção nos instrumentos de cláusula expressa sobre o direito de quitar antes do termo o mútuo, com redução proporcional dos juros, o que de resto apenas concretiza normas administrativas e legais preexistentes (Resoluções 2878 e 2892; Código do Consumidor, arts. 4º, inc. IV e 6º, incisos III e IV). Por fim, formado juízo sobre a ilicitude da conduta, corolário é a indenização colimada pelo autor. Em síntese, a solução mais justa e conforme o Direito é no sentido de proibir a tarifa para quitação antecipada de mútuos, impondo comportamento ideal para as relações de consumo. Pelo exposto, julgo procedente o pedido e: I – condeno o réu a (obrigação de não fazer) se abster de cobrar qualquer valor para liqüidação antecipada de empréstimos pessoais, sob pena de multa diária, agora majorada para R$50.000,00, para cada violação do preceito; II – condeno o réu na obrigação de (fazer) incluir nos instrumentos, já assinados ou não, cláusula expressa, com redação compreensível por pessoa mediana, sobre o direito à quitação antes do prazo, com redução proporcional dos juros, sob pena de multa diária de R$50.000,00, agora também antecipada a tutela nesse tópico; III – no pagamento de valor, consistente na restituição do que foi pago indevidamente e indenização, a ser liqüidado por arbitramento; IV – torno definitiva a liminar e ponho fim ao processo com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil. Os valores eventualmente devidos serão revertidos para o fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85. Custas e despesas ex lege. Antecipada a tutela também quanto à obrigação de fazer na sua inteireza, intime-se pessoalmente o réu para comprovar o cumprimento nestes autos, juntando o novo instrumento-padrão, no prazo de trinta dias. Para os contratos em curso ou acabados, a demonstração será feita nos quinze dias seguintes ao trânsito em julgado. Expeça-se mandado. P.R.I. 

Colaboração: Procon Sertãozinho

MP-RJ entra na Justiça contra bancos que realizam cobranças abusivas


O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e entidades de defesa do consumidor, como o Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) têm demonstrado preocupação com a cobrança abusiva de tarifas por parte de instituições bancárias. O MP-RJ entrará com ação na Justiça contra dez bancos que cobram a Taxa de Liquidação Antecipada (TLA) e já possui três sentenças favoráveis que impedem a cobrança de boleto bancário para pagamento de financiamento.

 

De acordo com o Promotor Julio Machado, da Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público, os bancos criam novas tarifas ou aumentam as já existentes sem o conhecimento ou concordância do consumidor, desrespeitando os seus direitos. "De acordo com o Código do Consumidor, é impossível alterar unilateralmente o contrato. E isso vem acontecendo com o respaldo do Banco Central, que estabelece que a mudança dos valores pode ser realizada mediante afixação de tabela na agência. Isso é inadequado e viola o Código", afirmou o Promotor.

 

O MP-RJ já entrou com processos contra os bancos Dibens, Itaú Leasing e GMAC por cobrança abusiva de tarifa pela emissão do boleto bancário. O Ministério entende que esse custo deveria ser suportado pelo banco que é quem contrata outra instituição financeira para fazer a cobrança.

 

O Ibedec também já entrou com ação coletiva contra sete bancos (Itaú, Nossa Caixa, HSBC, Unibanco, ABN, Santander e Safra) e obteve liminar no Tribunal de Justiça do Distrito Federal na ação contra o HSBC suspendendo a cobrança por quitação antecipada (TLA).

 

De acordo com a resolução do Banco Central, nº 3.401, de 2006, o banco só pode realizar a cobrança de tarifa por liquidação antecipada (TLA) mediante fixação de seu valor máximo no contrato. Esse também deve conter informações que possibilitem o cálculo do valor a ser cobrado ao longo do prazo da amortização. A cobrança deverá ser decrescente e proporcional ao prazo do financiamento, reduzindo o custo da tarifa ao longo da vigência do contrato.

 

Aqueles que pagaram a taxa nos últimos cinco anos devem guardar o comprovante, pois, no fim da ação, poderão receber de volta o valor pago. Caso as cobranças abusivas continuem, o consumidor pode reclamar junto à Ouvidoria do Ministério Público. Para a devolução, no entanto, é necessário esperar o processo chegar ao fim e individualmente entrar no Juizado Especial Civil para requerer a devolução.